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08/04/2015

Resenha/resumo do livro “Pedagogia do oprimido” de Paulo Freire


Este ensinamento e este aprendizado têm de partir, porém, dos “condenados da terra”, dos oprimidos, dos esfarrapados do mundo e dos que com eles realmente se solidarizem. Isto decorre, como analisaremos mais adiante, com mais vagar, do fato de que, em certo momento de sua experiência existencial, os oprimidos assumem uma postura que chamamos de “aderência” ao opressor.

Nestas circunstâncias, não chegam a “admirá-lo”, o que os levaria a objetivá-lo, a descobri-lo fora de si. A superação da contradição é o parto que traz ao mundo este homem novo não mais opressor; não mais oprimido, mas homem libertando-se. Esta superação não pode dai-se, porém, em termos puramente idealistas.

Se faz indispensável aos oprimidos, para a luta por sua libertação, que a realidade concreta de opressão já não seja para eles uma espécie de “mundo fechado” (em que se gera o seu medo da liberdade) do qual não pudessem sair, mas uma situação que apenas os limita e que eles podem transformar, é fundamental, então, que, ao reconhecerem o limite que a realidade opressora lhes impõe, tenham, neste reconhecimento, o motor de sua ação libertadora.

A pedagogia do oprimido, que busca a restauração da intersubjetividades, se apresenta como pedagogia do Homem. Somente ela, que se anima de generosidade autêntica, humanista e não “humanitarista’, pode alcançar este objetivo. Pelo contrário, a pedagogia que, partindo dos interesses egoístas dos opressores, egoísmo camuflado de falsa generosidade, faz dos oprimidos objetos de seu humanitarismo, mantém e encarna a própria opressão. Ë instrumento de desumanização.

Na análise da situação concreta, existencial, de opressão. não podemos deixar de surpreender o seu nascimento num ato de violência que é inaugurado, repetimos, pelos que têm poder. Esta violência, como um processo, passa de geração a geração de opressores, que se vão fazendo legatários dela e formando-se no seu clima geral. Este clima cria nos opressores uma consciência fortemente possessiva.

Possessiva do mundo e dos homens. Fora da posse direta, concreta, material, do mundo e dos homens, os opressores não se podem entender a si mesmos. Àqueles que se comprometem autenticamente com o povo e indispensável que se revejam constantemente. Esta adesão é de tal forma radical que não permite a quem a faz comportamentos ambíguos. Dai que esta passagem deva ter o sentido profundo do renascer.

Os que passam têm de assumir uma forma nova de estar sendo; já não podem atuar como atuavam; já não podem permanecer como estavam sendo. Quanto mais analisamos as relações educador-educandos, na escola, em qualquer de seus níveis (ou fora dela), parece que mais nos podemos convencer de que estas relações apresentam um caráter especial e marcante — o de serem relações fundamentalmente narradoras, despertadoras.

Na medida em que esta visão “bancária” anula o poder criador dos educandos ou o minimiza. estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade, satisfaz aos interesses dos opressores: para estes, o fundamental não é o desnudamento do mundo, a sua transformação.

O seu “humanitarismo”, e não humanismo, está em preservar a situação de que são beneficiários e que lhes possibilita a manutenção de sua falsa generosidade a que nos referimos no capítulo anterior. Por isto mesmo é que reagem, até instintivamente, contra qualquer tentativa de uma educação estimulante do pensar autêntico, que não se deixa emaranhar pelas visões parciais da realidade, buscando sempre os nexos que prendem um ponto a outro, ou um problema a outro.

A concepção e a prática da educação que vimos criticando se Instauram como eficientes instrumentos para este fim. Dai que um dos seus objetivos fundamentais, mesmo que dele não estejam advertidos muitos do que a realizam, seja dificultar, em tudo, o pensar autêntico.
Nas aulas verbalistas, nos métodos de avaliação dos “conhecimentos’, no chamado “controle de leitura”, na distância entre o educador e os educandos, nos critérios de promoção, na indicação bibliográfica, em tudo, há sempre a conotação “digestiva” e a proibição ao pensar verdadeiro.

Como ato de valentia, não pode ser piegas; como ato de liberdade, não pode ser pretexto para a manipulação, senão gerador de outros atos de liberdade. A não ser assim, não é amor. Somente com a supressão da situação opressora é possível restaurar o amor que nela estava proibido. Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o diálogo.

Esta concepção “bancária” implica, além dos interesses já referidos, outros aspectos que envolvem sua falsa visão dos homens. Aspectos ora explicitados, ora não, em sua prática.

Sugere uma dicotomia inexistente homens-mundo. Homens simplesmente no mundo e não com o mundo e com os outros. Homens espectadores e não recriadores do mundo. Concebe a sua consciência como algo espacializado neles e não aos homens como “corposconscientes’.

Não seriam poucos os exemplos que poderiam ser citados, de planos, de natureza política ou simplesmente docente, que falharam porque os seus realizadores partiram de uma visão pessoal da realidade. Porque não levaram em conta, num mínimo instante, os homens em situação a quem se dirigia seu programa, a não ser com puras incidências de sua ação.

Para o educador humanista ou o revolucionário autêntico a incidência da ação é a realidade a ser transformada por eles com os outros homens e não estes. A consciência como se fosse alguma seção “dentro’ dos homens, mecanicistamente compartimentada, passivamente aberta ao mundo que a irá “enchendo” de realidade.

Uma consciência continente a receber permanentemente os depósitos que o mundo lhe faz, e que se vão transformando em seus conteúdos. Como se os homens fossem uma presa do mundo e este um eterno caçador daqueles, que tivesse por distração “enchê-los” de pedaços seus.

Em síntese, as “situações-limites” implicam a existência daqueles a quem direta ou indiretamente “servem” e daqueles a quem “negam” e “freiam. No momento em que estes as percebem não mais como uma “fronteira entre o ser e o nada, mas como uma fronteira entre o ser e o mais ser”, se fazem cada vez mais críticos na sua ação, ligada àquela percepção. Percepção em que está implícito o medito viável como algo definido, a cuja concretização se dirigirá sua acão.

            Teoricamente, é lícito esperar que os indivíduos passem a comportar-se em face de sua realidade objetiva da mesma forma, do que resulta que deixe de ser ela um beco sem saída para ser o que em verdade é: um desafio ao qual os homens têm que responder.

É preciso que nos convençamos de que as aspirações, os motivos, as finalidades que se encontram explicitados na temática significativa são aspirações, finalidades, motivos humanos. Por isto, não estão ai, num certo espaço, como coisas petrificadas, mas estão sendo. São tão históricos quanto os homens. Não podem ser captados fora deles, insistamos.

Precisamos estar convencidos de que o convencimento dos oprimidos de que devem lutar por sua libertação não é doação que lhes faça a liderança revolucionária, mas resultado de sua conscientização.

É necessário que a liderança revolucionária descubra esta obviedade: que seu convencimento da necessidade de lutar, que constitui uma dimensão indispensável do saber revolucionário, não lhe foi doado por ninguém, se é autêntico. Chegou a este saber, que não é algo parado ou possível de ser transformado em conteúdo a ser depositado nos outros, por um ato total, de reflexão e de ação.

Este é o caso de um “reconhecimento” de caráter puramente subjetivista, que é antes o resultado da arbitrariedade do subjetivista, o qual, fugindo da realidade objetiva, cria uma falsa realidade “em si mesmo”. E não é possível transformar a realidade concreta na realidade imaginária.

Se os indivíduos se encontram aderidos a estas “situações-limites”, impossibilitados de “separar”-se delas, o seu tema a elas referido será necessariamente o do fatalismo e a “tarefa” a ele associada é a de quase não terem tareia. Por isto é que, embora as “situações-limites” sejam realidades objetivas e estejam provocando necessidades nos indivíduos se impõe investigar, com eles, a consciência que delas tenham.

Uma “situação-limite”, como realidade concreta, pode provocar em indivíduos de áreas diferentes, e até de subáreas de uma mesma área, temas e tarefas opostos, que exigem, portanto, diversificação programática para o seu desvelamento.

 O importante, do ponto de vista de uma educação libertadora. e não “bancária”, é que, em qualquer dos casos, os homens se sintam sujeitos de seu pensar, discutindo o seu pensar, sua própria visão do mundo, manifestada implícita ou explicitamente nas suas sugestões e nas de seus companheiros.

Para dominar, o dominador não tem outro caminho senão negar às massas populares a práxis verdadeira. Negar-lhes o direito de dizer sua palavra, de pensar certo. As massas populares não têm que, autenticamente, “ad-mirar” o mundo, denunciá-lo, questioná-lo, transformá-lo para a sua humanização, mas adaptar-se à realidade que serve ao dominador.

Esta é outra dimensão fundamental da teoria da ação opressora, tão velha quanto a opressão mesma. Na medida em que as minorias, submetendo as maiorias a seu domínio, as oprimem dividi-las e mantê-las divididas são condição indispensável à continuidade de seu podei Não se podem dar ao luxo de consentir na unificação das massas populares. que significaria. indiscutivelmente. uma séria ameaça à sua hegemonia.
Daí que toda ação que possa, mesmo incipientemente proporcionar às classes oprimidas o despertar para que se unam é imediatamente freada pelos opressores através de métodos, inclusive fisicamente violentos.

A manipulação, com toda a sua série de engodos e promessas, encontra aí, quase sempre, um bom terreno para vingar. Finalmente, surpreendemos na teoria da ação antidialógica uma outra característica fundamental — a invasão cultural que, como as duas anteriores, serve à conquista.

Desrespeitando as potencialidades do ser a que condiciona, a invasão cultural é a penetração que fazem os invasores no contexto cultural dos invadidos, impondo a estes sua visão do mundo, enquanto lhes freiam a criatividade, ao inibirem sua expansão
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Neste sentido, a invasão cultural, indiscutivelmente alienante, realizada maciamente ou não, é sempre uma violência ao ser da cultura invadida, que perde sua originalidade ou se vê ameaçado de perdê-la. Os oprimidos só começam a desenvolver-se quando, superando a contradição em que se acham, se fazem “seres para si”.
          
Se, agora, analisamos uma sociedade também como ser, parece-nos concludente que, somente como sociedade “ser para si”, sociedade livre, poderá desenvolver-se. Não é possível o desenvolvimento de sociedades duais, reflexas, invadidas, dependentes da sociedade metropolitana, pois que são sociedades alienadas, cujo ponto de decisão política, económica e cultural se encontra fora delas — na sociedade metropolitana.

A importância de seu papel, contudo, não lhe dá o direito de comandar as massas populares, cegamente, para a sua libertação. Se assim fosse, esta liderança repetiria o messianismo salvador das elites dominadoras, ainda que, no seu caso, estivessem tentando a “salvacão” das massas populares. A liderança há de confiar nas potencialidades das massas a quem não pode tratar como objetos de sua acão. Há de confiar em que elas são capazes de se empenhar na busca de sua libertação, mas há de desconfiar, sempre desconfiar, da ambigüidade dos homens oprimidos.
           
Desconfiar dos homens oprimidos, não é, propriamente, desconfiar deles enquanto homens, mas desconfiar do opressor “hospedado” neles. Seria uma inconsequência da elite dominadora se consentisse na organização das massas populares oprimidas, pois que não existe aquela sem a união destas entre si e destas com a liderança. Enquanto que, para a elite dominadora, a sua unidade interna, que lhe reforça e organiza o poder, implica a divisão das massas populares, para a liderança revolucionaria, a sua unidade só existe na unidade das massas entre si e com ela.
           
Reconhecem-se, agora, como seres transformadores da realidade, para eles antes algo misterioso, e transformadores por meio de seu trabalho criador. Descobrem que, como homens, já não podem continuar sendo quase-coisas” possuidas e, da consciência de si como homens oprimidos, vão à consciência de classe oprimida. Enquanto, na teoria da ação antidialógica, a manipulação, que serve à conquista, se impõe como condição indispensável ao ato dominador, na teoria dialógica da ação, vamos encontrar, como seu oposto antagônico, a organização das massas populares.
          
 A organização não apenas está diretamente ligada à sua unidade, mas é um desdobramento natural desta unidade das massas populares. Finalmente, a invasão cultural, na teoria antidialógica da ação, serve à manipulação que, por sua vez, serve à conquista e esta à dominação, enquanto a síntese serve à organização e esta à libertação.
           
Todo o nosso esforço neste ensaio foi falar desta coisa óbvia: assim como o opressor, para oprimir, precisa de uma teoria da ação opressora, os oprimidos, para se libertarem, igualmente necessitam de urna teoria de sua ação.
           
O opressor elabora a teoria de sua ação necessariamente sem o povo, pois que é contra ele. O povo, por sua vez, enquanto esmagado e oprimido, introjetando o opressor, não pode, sozinho, constituir a teoria de sua ação libertadora. Somente no encontro dele com a liderança revolucionária, na comunhão de ambos, na práxis de ambos, é que esta teoria se faz e se re-faz.
Em verdade, não seria possível à educação problematizadora, que rompe com os esquemas verticais característicos da educação bancária, realizar-se como prática da liberdade, sem superar a contradição entre o educador e os educandos. Como também não lhe seria possível fazê-lo fora do diálogo.
           
Ë através deste que se opera a superação de que resulta um termo novo: não mais educador do educando, não mais educando do educador, mas educador-educando com educando-educador.
          
A educação problematizadora se faz, assim, um esforço permanente através do qual os homens vão percebendo, criticamente, como estão sendo no mundo com que e em que se acham.
          
Se, de fato, não é possível entendê-los fora de suas relações dialéticas com o mundo, se estas existem independentemente de se eles as percebem ou não, e independentemente de como as percebem, é verdade também que a sua forma de atuar, sendo esta ou aquela, é função, em grande parte, de como se percebam no mundo.
          
A percepção ingênua ou mágica da realidade da qual resultava a postura fatalista cede seu lugar a uma percepção que é capaz de perceber-se. E porque é capaz de perceber-se enquanto percebe a realidade que lhe parecia em si inexorável, é capaz de objetivá-la.
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17 ª edição. Paz e Terra. Rio de Janeiro: 1987.

1 comentários

Unknown 7/11/17

MUITO OBRIGADO PELA EFICIÊNCIA.

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