' '' Breve análise da questão do gênero na música: Geni e o Zepelim – Chico Buarque | Revista Rondoniense de Pedagogia

06/04/2015

Breve análise da questão do gênero na música: Geni e o Zepelim – Chico Buarque


Esta foi uma das canções mais divulgadas e de maior sucesso da peça Ópera do Malandro, um musical de 1977/1978 de Chico Buarque. Popularizou-se através dos rádios. Seu refrão era geralmente cantado, muitas vezes, sem a compreensão adequada da letra da canção.


Geni e o Zepelim – Chico Buarque

De tudo que é nego torto Do mangue e do cais do porto Ela já foi namorada. O seu corpo é dos errantes, Dos cegos, dos retirantes; É de quem não tem mais nada. Dá-se assim desde menina Na garagem, na cantina, Atrás do tanque, no mato. É a rainha dos detentos, Das loucas, dos lazarentos, Dos moleques do internato. E também vai amiúde Co'os os velhinhos sem saúde E as viúvas sem porvir. Ela é um poço de bondade E é por isso que a cidade Vive sempre a repetir:"Joga pedra na Geni! Joga pedra na Geni! Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir! Ela dá pra qualquer um! Maldita Geni!"Um dia surgiu, brilhante Entre as nuvens, flutuante, Um enorme zepelim. Pairou sobre os edifícios, Abriu dois mil orifícios Com dois mil canhões assim. A cidade apavorada Se quedou paralisada Pronta pra virar geléia, Mas do zepelim gigante Desceu o seu comandante Dizendo: "Mudei de idéia! Quando vi nesta cidade Tanto horror e iniqüidade, Resolvi tudo explodir, Mas posso evitar o drama Se aquela formosa dama Esta noite me servir".Essa dama era Geni! Mas não pode ser Geni! Ela é feita pra apanhar; Ela é boa de cuspir; Ela dá pra qualquer um; Maldita Geni!Mas de fato, logo ela, Tão coitada e tão singela Cativara o forasteiro. O guerreiro tão vistoso, Tão temido e poderoso Era dela, prisioneiro. Acontece que a donzela (E isso era segredo dela), Também tinha seus caprichos E ao deitar com homem tão nobre, Tão cheirando a brilho e a cobre, Preferia amar com os bichos. Ao ouvir tal heresia A cidade em romaria Foi beijar a sua mão: O prefeito de joelhos, O bispo de olhos vermelhos E o banqueiro com um milhão.Vai com ele, vai Geni! Vai com ele, vai Geni! Você pode nos salvar! Você vai nos redimir! Você dá pra qualquer um! Bendita Geni!Foram tantos os pedidos, Tão sinceros, tão sentidos, Que ela dominou seu asco. Nessa noite lancinante Entregou-se a tal amante Como quem dá-se ao carrasco. Ele fez tanta sujeira, Lambuzou-se a noite inteira Até ficar saciado E nem bem amanhecia Partiu numa nuvem fria Com seu zepelim prateado. Num suspiro aliviado Ela se virou de lado E tentou até sorrir, Mas logo raiou o dia E a cidade em cantoria Não deixou ela dormir:"Joga pedra na Geni! Joga bosta na Geni! Ela é feita pra apanhar! Ela é boa de cuspir! Ela dá pra qualquer um! Maldita Geni!
A crítica se revela ao considerar toda a narrativa da canção e não apenas o refrão, que parece acusar a sua protagonista, Geni, uma travesti que, na verdade, é a heroína injustiçada do enredo. É o refrão que revela o preconceito e a hipocrisia de toda a cidade com a heroína prostituída, apedrejada, rechaçada.

Não há marca linguística que prove, pela letra da canção, que Geni é uma travesti (no sentido de um homem “travestido” de mulher) – o que é completamente compreensível se considerarmos o contexto de escrita da canção, bem como a concepção de feminino/masculino de maneira mais complexa.

(interpretação oriunda do artigo Geni, a Maria Madalena de Chico Buarque: Aclamações e apedrejamentos na canção e no mundo, ontem e hoje, publicado em 2010 no evento Fazendo Gênero/2010/ Laura e Figueiredo).

A letra apresenta fundamentos importantes da perspectiva de gênero. Geni tem sua conduta moral e social apontada como inadequada e extrapola os limites estabelecidos e instituídos pela sociedade como “postura normal”. Geni não pertence ao centro, portanto, não possui uma identidade central.

Os discursos transformam Geni em uma pessoa diferente, que se relaciona com outros sujeitos diferentes (negos tortos, detentos, enfim), com sujeitos que assim como Geni, se encontram à margem da sociedade.

As relações de Geni revelam e refratam valores ideológicos e poder que eram exercidos sobre ela, mas que por um infortúnio ou de maneira irônica colocaram-na em uma posição que pudesse exercer influencia sobre as formas de poder representas pelo os poderes político, religioso e econômico dos sujeitos citados na música desta questão da prova, como o prefeito, bispo e banqueiro. 

Geni passa por um choque de valores ideológicos presente na sociedade e que certamente não se refere a forma como ela vive, fora dos padrões que os outros sujeitos vivem, mas que é a forma como escolheu, como prefere viver

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